SÓ A VERDADE NOS LIBERTARÁ

"Somos anjos perdidos. Asas mortas no chão desde a primeira audição da palavra impossível" F. Rocha

Textos

A VERDADE E A MENTIRA
VERDADE E POLÍTICA

Resumo- É uma análise da mentira organizada, a chamada mentira de Estado, ou da mentira de que se utiliza o governante para conseguir os seus objetivos. Contrapondo-se a ela está a verdade, tendo como maior auxiliar a ciência, posto que, desta forma, não há como se confirmar à mentira, organizada ou não, pois esta carece deste fundamento básico, porquanto ela não pode ser repetida, demonstrada, ou tornar-se verdade, que é o seu oposto axiológico, por argumentação da negativa, tais como os teoremas matemáticos. A liberdade e a consciência ética são ressaltadas, passando pela virtude, pela razão, e pela sabedoria, e a conclusão passa pela análise da ciência como forma de contrapor a mentira organizada.

Palavras chave – Estado, mentira, liberdade, verdade, ética.







INTRODUÇÃO.


Ao longo da história, temos visto exemplos marcantes de como os governantes, os políticos, e em seguida o próprio Estado, engendram mentiras, a chamada mentira organizada, ou mentira de Estado, sob o pretexto de salvaguardar interesses maiores ou o bem comum. Exemplos tais como a inquisição na Europa na idade média, que locupletou a igreja católica, e os cofres da monarquia, utilizando-se do radicalismo religioso para espoliar e praticar um genocídio, levando à expulsão ou a morte na fogueira os povos judeus e mouros que habitavam a península ibérica. Ou da colonização do continente africano pelos europeus sob o pretexto de humanizar aqueles povos. Tem-se também a história de Hitler com os conceitos de raça superior e com isto criar uma nação diferenciada que estivesse acima de qualquer outra levando o mundo a uma guerra onde milhões perderam a vida. Outro grande exemplo é a derrocada da União Soviética, que abraçou o comunismo sob a promessa de uma sociedade igualitária, censurou as comunicações e fez o povo acreditar que ali estava o melhor do mundo moderno, mas que não resistiu, e quando viu o Estado ameaçado em sua própria sobrevivência, procurou rapidamente a democracia, abriu sua economia, seus portos, devolveu a parte oriental da Alemanha, e caiu em uma realidade que era mais dura que a ideal comunista, já que esta não tinha um suporte sólido. Mais recentemente, o governo americano, através do presidente Bush, que fundamentado em informações do serviço secreto que dizia ter o Iraque armas de destruição em massa, invadiu aquele país, para mais tarde confirmar ao mundo que não existiam tais armas, mas apossou-se do petróleo, grande riqueza do subsolo iraquiano e combustível vital a economia americana.

Pode a verdade se contrapor à mentira organizada, que é aquela mentira que o político costuma usar para sob os mais diversos pretextos, como salvaguardar direitos, proteger o Estado, ou outras formas para enganar aos cidadãos? Desde os tempos em que o homem resolveu se juntar em grupos, formando aglomerações que depois passaram a se denominar de cidades, até os dias atuais vê-se políticos e governantes, que sob o pretexto do bem comum, fazem com que a verdade seja uma mera formalidade, sobrepondo a esta, a mentira organizada, ou chamada de mentira de Estado, pois segundo aquele critério, e sob o pretexto de proteção ou a manutenção do Estado, esta seria autorizada, deixando-se de lado a ética a moral e a verdade como fonte. Para se opor à mentira, mentira organizada ou mentira de Estado, onde existe um princípio de que, em benefício do Estado e de um governo, é possível a derrogada de normas, tanto as de ética, quanto àquelas inseridas no positivismo que formam o ordenamento legal do país, chega-se ao entendimento de que é a análise dos fatos e a valoração dos mesmos, que irá, ajudados pela ciência, formar um convencimento  pleno da contraposição à mentira.

CONCEITO DE CIÊNCIA – MÉTODO CIENTÍFICO.

O termo ciência dá a medida da verdade e do que é correto para a análise dos fatos, pois significa o conhecimento, e nos remete de certo modo ao termo sofos em grego, significado de conhecimento, que por sua vez vem a compor a palavra filosofia, palavra de origem grega que tem o significado de amor à sabedoria, e do estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade. E o filósofo é aquele que tem paixão, que procede sempre com sabedoria e reflexão, buscando o conhecimento pela ciência. E a ciência exige experimentação para chegar-se à conclusão que os seus resultados são verdadeiros e podem assim serem repetidos. A ciência organizada é o conhecimento que se adquire pela leitura e meditação, ou sabedoria. São conhecimentos organizados, que têm características próprias. Devem advir da observação de fatos e servir a determinado fim. O mais importante no método para a ciência é a possibilidade da repetição dos fatos estudados. Assim a organização da ciência assume caráter científico.

A mentira, organizada ou não, carece deste fundamento básico porquanto ela não pode ser repetida, demonstrada, ou tornar-se verdade, que é o seu oposto axiológico, por argumentação da negativa, tais como os teoremas matemáticos. Não pode, pois, crescer posto que não existe, a não ser em exemplos da própria vida real, mas que, a cabo de algum tempo, se esvaem na própria articulação que criam. Isto para não falar das ciências normativas, que são aquelas que, com a lógica e a moral, traçam normas ao pensamento e à conduta humana. Desta forma, a ciência só pode crescer na verdade, pois, assim terá a possibilidade de comprovação e da repetição, fundamentos básicos desta assertiva do conhecimento.

A luta contra a mentira tem que ser contínua, e não pode esmorecer com o tempo. Neste caso o papel do historiador é essencial. O papel do historiador é de permanentemente lembrar coisas e fatos que muitos fazem questão de esquecer, notadamente os políticos e governantes do momento. Ao historiador compete o importantíssimo papel de revelar o passado, e daí se tirar às conclusões que possam influenciar e controlar o presente. É vital ao historiador lutar contra a mentira, trazendo sempre os fatos junto com a verdade. Isto, embora na maioria das vezes quando chegamos a compreender as lições da história já é tarde, e a culpa é somente nossa, pois ela, a história, nos ensina continua e constantemente de forma clara e inconfundível a memória de nossos valores.

O COMPORTAMENTO POLÍTICO, O GOVERNANTE.

A existência da verdade é questionada a todo o momento pelos cidadãos que elegeram os governantes. Os exemplos de mentiras perpetradas por governantes ao longo da história, que só depois de algum tempo vem ao conhecimento público, tais como o comportamento dos reis católicos na Espanha na idade média, juntamente com a igreja católica na inquisição, os argumentos de Hitler para transformar a Alemanha em potência mundial, as mentiras do presidente Bush para justificar a invasão do Iraque, mostram os quanto os grandes políticos utilizam-se da mentira organizada, ou mentira de Estado, para justificar as suas finalidades, e que muitas vezes redundam em catástrofes e genocídios. O comportamento político vem ao longo dos tempos se distanciando da verdade quando conveniente ao político. A mentira do Estado, aquela considerada necessária, nada mais é que um problema de natureza ética. A liberdade do indivíduo e de uma nação não pode ser afrontada por este tipo de comportamento. As leis e as constituições formam uma base que é a fonte do cidadão para guerrear o político que falseia a verdade. Para este político nada resta, a não ser a descoberta que em um determinado dia, que por certo virá, seja ele colocado no seu devido lugar na história, que na maioria das vezes é o esquecimento, ou a lembrança como algo a ser evitado.

O filósofo Platão, bem retratou na Alegoria da Caverna, capítulo VII de A República, como a verdade e, por conseguinte o bem pode ser diferente aos olhos daqueles que não a conhecem de fato, e nos mostra isto com todo o brilho, numa narrativa permeada de metáforas e plasmada com símbolos, e com a força poética insuperável. Para Platão a educação (Paidéia) seria o ponto de partida e principal instrumento de seleção e avaliação das aptidões de cada um. Sendo a alma humana (psikê) um composto de três partes: o apetite, a coragem, e a razão, todos nascem com essa combinação, só que uma delas predomina sobre as demais. Se alguém deixa envolver-se apenas pelas impressões geradas pelas sensações motivadas pelo apetite, termina pertencendo às classes inferiores. Por outro lado, se manifesta um espírito corajoso e resoluto, seguramente irá fazer parte da classe dos guardiões, dos soldados, responsáveis pela segurança da coletividade e pelas guerras. Finalmente, se o indivíduo deixa-se guiar pela sabedoria e pela razão é obvio que apresenta as melhores condições para se integrar nos setores diferentes desta almejada sociedade.

Desta forma, com cada indivíduo ocupando o espaço que lhe é devido, a justiça está feita. A justiça (dikê) é entendida não como uma distribuição equânime da igualdade, como modernamente se entende, mas como a necessidade de que cada um reconheça o seu lugar na sociedade segundo a natureza das coisas e não tente um espírito eminentemente conservador ao pretender que cada classe social se conforme com a situação que ocupa na sociedade (polis) e não tente alterá-la ou subvertê-la. Os trabalhadores jamais poderiam reivindicar o poder político, pois esse deve pertencer exclusivamente aos mais instruídos e mais sábios. Como se vê em sua alegoria, o filósofo Platão não pretende abolir as classes sociais, como muitos dos seus intérpretes afirmavam. Na alegoria a narrativa de Platão adquire uma forma romântica e incontestável de visão da vida.

Os homens agrilhoados no fundo de uma caverna acostumaram-se a ver o mundo somente através de sombras que eram projetadas no fundo da caverna, iluminadas por uma fogueira. Um dos homens decide desvencilhar-se dos grilhões, de súbito, um dos escravos volve o pescoço, liberta-se das correntes e dirige-se a saída da caverna. Este homem inicia uma escalada rumo a saída da caverna e cada passo dado por ele é como uma etapa iniciática rumo ao desconhecido que lhe atrai para fora progressivamente. Agora, no mundo exterior precisa acostumar-se a ver de outro modo, por não ter vivido a experiência de ver as coisas em sua própria realidade multicolor e pluridiversa, precisa, pouco a pouco, acostumar-se a primeiro as coisas que estão na superfície até poder erguer os olhos para os céus e ver o Cosmo em sua grandiosidade infinita e magnífica. O seu ver é revestido de uma realidade jamais vista, as coisas vistas por ele estão revestidas de uma aparência que reflete as cores, os aromas e os sons exalados de si próprios. Seu olhar agora é de espanto e desencadeia um desejo de identificá-las em sua mente como algo que possui vida e nome próprio. Apieda-se dos que lá ficaram no fundo da caverna e decide retornar. Seu maravilhamento além de ser estonteante é acompanhado de um sentimento filantrópico. Sente-se arrebatado e retorna a suas origens, ou seja, ao lugar onde viveu somente vendo sombras para poder dizer aos que lá permaneceram, que há um outro mundo a ser visto, diferente daquele. O seu retorno heróico lhe traz a incompreensão dos que habituados a viver nas sombras, por mais que narrasse o que havia visto, não conseguia convencer nenhum dos seus companheiros que lá estavam presos, e voltados para o fundo da caverna, que existia num mundo pleno de realidade onde as coisas não eram apenas revestidas de sombras. Eles o consideravam um louco e afirmavam que não valeria a pena ir até esse mundo diferente porque as pessoas se tornariam desvairadas e não mais falariam de modo a serem compreendidas. A insistência do homem liberto incomoda a todos os habitantes da caverna e ele pode ser preso, torturado e morto.

A romântica narrativa de Platão nos leva a entender como uma mentira, colocada como uma instituição organizada, de Estado, pode mudar e transfigurar a capacidade dos homens de discernimento. Homens algemados de pernas e pescoço desde a infância, numa caverna, e voltados contra a abertura da mesma, por onde entra a luz de uma fogueira acesa no exterior, não conhecem da realidade senão as sombras das figuras que passam projetadas na parede e os ecos das suas vozes. Se um dia soltassem um desses prisioneiros e os obrigassem a voltar-se e olhar para a luz, esses movimentos ser-lhe-iam penosos, e não saberia reconhecer os objetos. Mas, se o fizessem vir para fora, subir a ladeira e olhar para as coisas até vencer o deslumbramento, acabaria por conhecer tudo perfeitamente e por desprezar o saber que possuía na caverna. Se voltasse para junto dos antigos companheiros, seria por eles troçado, como um visionário; e quem tentasse tirá-los daquela escravidão arriscar-se–ia mesmo a que o matassem. A relação entre a realidade e a ilusão ocupa a principal lição que nos é passada nesta bela narrativa de Platão na Grécia antiga.

O procedimento do homem, segundo Aristóteles, deve ser regulado pela virtude e razão, pois estas são as maiores venturas que o homem pode ter. Não é possível ser feliz quando não se faz o bem, isto é válido tanto para o homem quanto para o Estado, sem a virtude e a razão. Para Aristóteles, “na sociedade civil, a audácia, a coragem, a justiça e a razão produzem sob a mesma forma, igual efeito que no indivíduo, do qual fazem um homem justo, sereno e cheio de prudência.”. Ainda segundo Aristóteles, em A Política, as qualidades, ou as condições de atingir-se o bem coletivo, são de que, exista um ideal e que a finalidade a que se propõe seja digna de louvor. E que se achem quais os atos que podem levar a esse louvor (A Política, cap. XII, p. 140). Os objetivos dos políticos, não podem ser obtidos com as mentiras organizadas, mentiras de Estado, ou qualquer outra forma de esconder a verdade do povo, pois esta não é a forma ética de buscar-se o ideal político. Ao farpear a ética com objetivos de assenhorear-se de um governo, é indubitável que o político estará antevendo o seu fim.

PARA OS GOVERNANTES, OS MEIOS COMO JUSTIFICATIVA PARA OS FINS.

Para Platão, o exercício do governo tem duas regras práticas: uma ter em vista apenas o bem público, sem se preocupar com sua situação pessoal; a segunda, não negligenciar uma parte para atender a outra, devendo suas preocupações ser de igual monta a todo o Estado. Esta primeira regra prática não deve passar pela entrega total visando o poder e a riqueza, pois nada é mais prejudicial que a ambição. O povo livre, onde todos são iguais perante a lei, há de exigir do governante moderação, severidade, e independência com relação ao bem público. E ao agir dessa maneira o governante acaba por atender indistintamente a uma e a outra parte, distribuindo justiça.

Em outra análise, temos o exemplo de Ferdinando, rei de Aragão, mais tarde rei de Espanha, transformado por suas conquistas em o primeiro rei da Cristandade. Segundo Maquiavel, em sua magistral obra O Príncipe, é a forma perfeita de como um governante, ou um príncipe, deve agir para ser estimado, ou seja, com grandes empreendimentos e altos exemplos. Vejamos:

Além disso, para poder realizar empreendimentos ainda maiores, e sempre com o pretexto da religião, agiu com crueldade disfarçada em piedade, expulsando os mouros do seu reino e despojando-os; será difícil encontrarmos outro exemplo mais raro e torpe.  (MAQUIAVEL, O Príncipe, cap. XXI, p.137)

Ainda da obra de Maquiavel, podemos deduzir que o governante para ser amado tem que ser cruel, ou melhor, que não deve se incomodar com esta reputação se o seu propósito é manter o povo unido e leal. Napoleão Bonaparte em comentário à obra de Maquiavel (O Príncipe, p. 102, cap. XVII.), em relação à crueldade com o povo, como forma de manter-se no poder, observou, perfeito e sublime, as considerações de que o excesso de confiança não torne o governante incauto, e a desconfiança excessiva não o faça intolerante. Deduz-se daí, que, tanto Maquiavel quanto Napoleão consideravam mais importante do que fazer o bem, ser cruel com cautela e equilíbrio. Como se para fazer o mal se precisasse de tanta humanidade e equilíbrio. Os príncipes (governantes) podem assim, segundo autorização dos pensamentos de Nicolau Maquiavel e Napoleão Bonaparte, serem circunstanciais quanto a ética, posto que, o seu objetivo final não poderia ser sacrificado pelos meios, sendo aqueles mais importantes. O princípio de que ao Estado, e ao governante, é dado à licença para em determinados casos seja o fato falseado para determinados fins de governo robusteceu-se naquela época.

A liberdade e a consciência ética andam juntas. Ninguém é livre em uma ditadura. Ninguém é livre em uma tirania, pois esta nasce de uma alteração da democracia, onde a cobiça da riqueza, e a ambição, deturpam os ideais iniciais. A liberdade se vê cerceada, privando o homem do seu bem maior. Só podemos ser realmente livres se exercermos democracia plena, com a capacidade plena de conhecimento dos fatos ao nosso redor, e que digam respeito a todos. Quem nasce livre só deve morar em um Estado onde as liberdades sejam cultuadas. Esta é a liberdade do cidadão e de um Estado livre e de direito. Ao político não é dado o consentimento de mentir, ou de trazer a moralidade como uma bolsa escondida que nunca é trazida à tona. A formação de um Estado, ou de um governo, deve ter norteamento ético que respeitem o próprio ser da formação, pois ao abrir mão dos seus direitos, em prol de uma comunidade, o cidadão espera que o alcance disto não vá além de determinados limites, limites esses imposto pela moral, seja ela de qualquer origem, mas que esteja intrinsecamente estatuída. A força de um Estado sadio e vigoroso reside no sentimento nacional de justiça, que se mostra em ações práticas dos princípios da moral, da ética e de justiça.

CONHECIMENTO JURÍDICO – UMA DAS FORMAS DE CONTRAPOR A MENTIRA.

O conhecimento jurídico é uma das formas que o cidadão encontra para contrapor o governante que utiliza a mentira organizada ou mentira de Estado. O conhecimento jurídico científico é neutro, e não emite qualquer juízo de valor acerca da opção adotada pelo órgão competente. Não há também distanciamento entre a ordem jurídica positiva e a moral. A norma formada, posta, pressupõe que houve uma conduta moral que levou a formação da mesma. No entanto após a norma estar posta, não se coloca como verídica ou inverídica a mesma, mas somente da eficácia dela na extensão da interpretação. A norma válida estatui uma conduta. Toda norma é dotada de sanção, portanto é dela que se deduz o funcionamento harmônico e coeso da sociedade. Não decorre, portanto de opiniões. Pode, no entanto, a opinião sobre a norma fazer valer uma interpretação, porém é de boa lembrança que esta opinião, e a interpretação daí decorrente, tem natureza divergente ou até diferente da interpretação do Judiciário. Uma norma pode ser justa ou injusta para um indivíduo, mas não pode ser válida ou inválida. Pode ser aplicável ou não aplicável, dependendo da situação, do caso concreto, e o ato de competência jurídica é uma forma de interpretação.

As normas se baseiam em fundamentos jurídicos, que decorrem de um primeiro embasamento, que pode ser uma constituição, ou um marco jurídico qualquer. A partir daí torna-se superior, e garantem uma segurança jurídica ao estado, e ao cidadão. A superioridade normativa da Constituição traz, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda ordem positiva instituída pelo Estado. Segundo Kelsen, “a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do tribunal especialmente.”. Dessa forma a interpretação da norma é amparada pela doutrina e pela jurisprudência.

A lei política estatui uma certa ordem de sucessão. Presume-se que depende de princípios que o Estado estabelece, e não pode ser posta em dúvida. O destinatário final é o povo, e a supremacia da lei é inquestionável. Ao político não se admitem interferências para por em dúvida a lei, que por sua vez decorre de fatos sociais, da moral e da ética, pois a liberdade consiste principalmente em não se ver forçado a fazer aquilo que a lei não ordena. E disto decorre que vivemos sob leis, e, portanto sob este ordenamento somos livres. E graças às leis podemos nos opor à violência, da qual a mentira faz parte.

Diferenciando-se da mentira, organizada ou não, vem a opinião, que é aquilo que se conceitua advindo da norma, mas parte de análise de cada um, análise esta decorrente da hermenêutica, ou seja, a forma de interpretação da mesma. É a interpretação sobre a aplicação da norma. Os pareceres são a manifestação sobre um assunto, em relação ao fenômeno jurídico. Espelham o ponto de vista de algum jurista em relação a um fato concreto, e a aplicação da norma à situação. È uma opinião. E esta pode ser certa, ou pode ser errada. Vai depender do julgamento que se faz da mesma, e especialmente de quem vai julgá-las. Partem, portanto do pressuposto de serem analisadas. Na Bíblia, em Deuteronômio (30-31), o caminho de uma sociedade justa, fraterna, e igualitária é projetada na justiça. “O povo não pode desculpar-se perguntando: O que devo fazer? O caminho já está a seu alcance. Basta meditar nele, mudar a consciência e organizar a prática.”

A NORMA, E A LIBERDADE, COMO GARANTIA DO CIDADÃO CONTRA A MENTIRA.

As modificações que ocorrem na sociedade formam conhecimentos e entendimentos, que em ultima análise podem vir a formar novas leis, regulamentos, ou normas. Embora  isto seja afeito ao legislador, não como análise da norma, nem com sua interpretação em relação à aplicação da mesma. E o governante não tem o direito de falsear para chegar a resultados ou objetivos declarados ou não, seja em beneficio de quem for. Vemos que o conhecimento da norma é essencial, vital, para a aplicação da mesma, enquanto que a opinião é a interpretação, tanto pelos operadores do direito, quanto pelos julgadores e governantes, e que se modificam com o passar do tempo para cunhar novos conceitos, e talvez novas normas. Podem conviver pacificamente, sem conflitos. Aliás, para o direito positivo se confirmar como direito, é necessária a interpretação da aplicação da norma, que em última análise forma a doutrina e a jurisprudência. Porém mais importante que a competência e a severidade das normas é a diligência e a vigilância que o cidadão pode exercer para que as mesmas sejam cumpridas. É necessária a constante vigilância para que as normas sejam dissuasórias. Na teoria egológica do direito, de Carlos Cossio, a norma não é o objeto da ciência do direito, pois esta é apenas conceitual, a representar uma conduta, e é tão somente o instrumento de expressão do direito. As normas, nesta teoria, não extinguem ou criam o direito, apenas o instrumentam. Dessa forma a participação do cidadão é determinante na obtenção de resultados práticos como forma de garantia da liberdade, da verdade, e do direito ao pleno conhecimento das coisas e fatos.

Norberto Bobbio, em A Era dos Direitos, defende a posição da liberdade como forma do homem manter-se com dignidade e com a plenitude dos seus direitos, não sendo usado pelos políticos, ou sendo alvo de nenhuma forma de governo, ou governante, que venha a tentar se assenhorear dos seus direitos:

1. O alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder: como o poder é adquirido, como é conservado e perdido, como é exercido, como é defendido e como é possível defender-se contra ele. Mas o mesmo problema pode ser considerado de dois pontos de vista diferentes, ou mesmo opostos: ex parte principis ou ex parte populi. Maquiveal ou Rousseau, para indicar dois símbolos. A teoria do Estado-potência, de Ranke a Meinecke e ao primeiro Weber, ou a teoria da soberania popular. A teoria do inevitável domínio de uma restrita classe política, minoria organizada, ou a teoria da ditadura do proletariado, de Marx a Lênin. O primeiro ponto de vista é o de quem se posiciona como conselheiro do príncipe, presume ou finge ser o porta-voz dos interesses nacionais, fala em nome do Estado presente; o segundo ponto de vista é o de quem se erige em defensor do povo, ou da massa, seja ela concebida como uma nação oprimida ou como uma classe explorada, de quem fala em nome do anti-Estado ou do Estado que será. Toda a história do pensamento político pode ser distinguida conforme se tenha posto o acento, como os primeiros, no dever e obediência, ou, como os segundos, no direito a resistência (ou revolução).

É a segunda premissa a que colocamos como forma do cidadão insurgir-se contra a mentira organizada, a mentira de Estado. A legitimidade do governante passa pela distinção de conceitos que a sociedade forma através do exercício do poder, tais como sufrágio, e a utilização da Constituição como forma de alicerce. E a verdadeira revolução passa pelas formas que o cidadão dispõe ao seu alcance de guerrear a mentira organizada, ou o mau governante, e que são os meios legais, éticos e morais, da formação do Estado.

O professor da Universidade Autônoma do México, Oscar Correas, em palestra proferida no II Congresso Internacional Direito, Exclusão Social e Justiça, realizado em Salvador, Bahia, no ano de 2003, afirmou muito propriamente, que “o estado de direito é quando os funcionários públicos trabalham corretamente como têm que fazer, não como teriam que fazer”. Esta é a visão clara do que o cidadão espera do seu governante, e do Estado. A organização do homem em sociedade é uma necessidade, daí decorrendo todas as análises que o homem pode fazer de si mesmo, seja individualmente, seja em grupo.

Sendo a Justiça uma “priori” universal, conceito absoluto e necessário, voltamos ao jusnaturalismo. O pensamento jusnaturalista é concebido como de origem divina, e sendo feito por Deus para os homens, e nele há de se buscar a justiça social. De outro lado, por força da criação de normas para aqueles que dispõem de prestígio, liderança, e poder, nos remete ao direito positivo, lembrando as colocações de Marx, que o Estado nada mais é que um comitê a serviço da burguesia. E sendo a burguesia a maior autora e prioritariamente a destinatária das normas, então a última assertiva é mais presente, atual, e certamente a maior afirmação do que é a Justiça, embora a busca da igualdade social, e da justiça ampla e irrestrita não possa deixar que haja acomodação da sociedade nesse sentido.

Deveria a lei ter a função social antes de qualquer outro atributo. O direito conta com um elemento constitutivo ideal, que é a justiça ou valores espirituais. Parte, portanto de uma base espiritual, com valores morais e éticos. De outro lado, as classes e grupos dominantes procuram de todos os meios se assenhorearem do direito, como o têm feito ao longo da historia. Assim o direito toma uma feição de uma superestrutura fundamentada nas condições econômicas. Segundo Marx, “o progresso geral do espírito humano”, não pode explicar as relações jurídicas e de Estado. Forma-se assim a convicção de que o Estado, e o direito fazem parte entremeadamente do poder que permeia a classe econômica no domínio da situação. E esta classe não é impermeável ao direito. Na verdade não existe classe impermeável ao Direito, a Lei, ou a Justiça. O que existe é uma forma de equilíbrio social, cuja pedra angular é o equilíbrio dos poderes do Estado, e cujo Direito, faz parte de uma delas. As vontades do grupo social fazem com que a jurisprudência, ou os costumes, tenda a beneficiar determinadas classes sociais em detrimento de outras. Mas isto se dá na condução do Estado, e na forma de domínio que determinadas classes sociais exercem sobre o poder constituído. Temos exemplos ao longo da história, desde a Revolução de 1917 na Rússia, até os dias de hoje no Brasil, que quando determinada classe toma o poder, rompendo com o ordenamento legal ou se enquadrando no status vigente, mudam-se os conceitos para que haja uma adaptação ao modelo momentaneamente em vigor. Dessa forma sempre existe uma classe que dificilmente a Justiça e o Direito, e, por conseguinte a lei consegue alcançar, não por estar ela fora deste escopo, mas por estar de tal forma inserida no contexto do Estado, que dificilmente são vistos como contra legem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A concepção de sociedade, oposta ao individualismo, é possível para justificar a democracia como uma boa forma de governo. Os indivíduos não podem se sobrepor a uma coletividade, pois estes tendem a desaparecer, sumir, sendo somente a comunidade fixa e estável capaz de sobreviver às diversas formas de governo. A liberdade e a existência dos direitos individuais devem ser garantidas por uma constituição, pois só depois de garantida a liberdade dos cidadãos, é que o poder do governo, constituído pelos cidadãos que o controlam, virá. Os governos se acabam, e são levados às desgraças públicas quando esquecem e desprezam os direitos dos homens, dos cidadãos. E o reconhecimento das liberdades políticas, é uma conquista decorrente da liberdade individual e pessoal. A união dos indivíduos faz a diferença contra a mentira organizada que o político possa impor, ou tentar impor à sociedade.

Remontando aos gregos, diferenciamos opinião (doxa) e o conhecimento (episteme), sem que se busque o mérito da discussão sobre os termos e sua utilização. Mas parece ser uma das formas para a aplicação prática de uma resposta às verdades, aceitas e sabidas. O conhecimento (episteme) gera a verdade, enquanto que a opinião (doxa) decorre de interpretações do homem e do seu conhecimento, podendo inclusive levar ao desenvolvimento das ciências, muito embora, na maioria das vezes é apenas fruto de erro e não leva a nenhum lugar, e o erro é o oposto da verdade. O filósofo Parmênides, nos fragmentos de seu Poema, afirmou que “o homem deve seguir o caminho da verdade (fr 2, 8), isto é, do pensamento, da razão, e afastar-se do caminho da opinião, formada por seus hábitos, percepções, impressões sensíveis, que são ilusórias, imprecisas, mutáveis”.

Certamente, não é com a mentira, organizada ou não, que se alcançará qualquer objetivo político, ainda mais que, na sociedade moderna os meios de comunicação de massa podem exercer ampla vigilância para os atos de quaisquer políticos. Não se trata de escolher ou opor o bom ao ruim, o honesto ao que é do interesse de outro, mas desonesto, mas sim do que, sendo honesto, a escolha recaia entre qual seja mais necessário ser feito, e este deve ser o dilema do governante, do homem público. A honestidade consiste em descobrir a verdade pela capacidade própria mantendo a nobreza da alma, a justiça, e os conceitos éticos e morais, para ter como finalidade uma convivência pacífica e harmônica, executando tudo isto com palavras e ações, e oferecendo a cada um na sociedade o que é seu, observando e respeitando fielmente as convenções. Nas artes e nas ciências é necessário apontar magistralmente ao alvo e aos objetivos que levam a eles. E disto não podem prescindir os políticos e governantes.

O papel do cidadão é fundamental na busca de uma sociedade mais justa, com os políticos exercendo o verdadeiro papel para o qual foram incumbidos, de representar o povo no exercício de um governo. Na atualidade de um país como o Brasil, as associações de bairro são o primeiro e mais forte elo desta corrente, que se formará para intimidar o mau governante, pois trazem o verdadeiro anseio da comunidade e conseguem traduzir em votos a satisfação ou insatisfação com o governante. Modernamente, o papel das ONG´s também é fundamental, pois as mesmas conseguem um alcance maior de exposição na mídia, levando a uma parcela significante da sociedade a sua mensagem. Enfim, a organização da sociedade civil é vital a proteção da mesma contra a mentira organizada, o mau governante, e a má utilização do bem público. Não esquecendo que para tanto a educação é a pedra angular para a obtenção de resultados, que seja uma sociedade harmônica, coesa, justa, permeada de conceitos éticos e morais, e com a preocupação de a cada dia diminuir as diferenças e injustiças sociais.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARISTÓTELES.  Política. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003.

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JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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MONTESQUIEU, Charles Louis De Secondat, barão de La Bréde e de. Do espírito das leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003.

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PLATÃO.  A república. Trad. Piero Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003.
MARCOS MENDO DE MENDONÇA
Enviado por Mendes Neto em 02/08/2013
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